Quando eu era criança conheci um homem na esquina de casa.
Vestia calças marrons e uma camiseta com dizeres populares estampados. Era
feio. Não por fora, sim por dentro. Dava pra ver a podridão da mente dele nos
olhos que me encaravam, eram olhos quentes, mas não quentes de macios e vivos.
Eram olhos quentes de malícia e raiva acorrentada. Talvez ele me odiasse. Nunca
conversamos.
Nunca quis conversar com ele, e ele... De todas as coisas
que quis fazer comigo, conversar nunca esteve em seus planos.
Ele me deu um bicho. Um bicho que cresceu em mim desde meus
nove anos e continua aqui dentro comigo. Curiosamente, nunca pensei em dar um
nome ao meu bicho. Talvez eu devesse chama-lo de Adaílton. É uma coisa feia que
me consome e eu gostaria que não fizesse parte de mim, mas às vezes afago esse meu
bicho. E, às vezes, quando suas presas não pressionam meu coração, sinto um
grande incômodo. Sei que é paradoxal, mas a ausência de dor me dói. Meu bicho
cresce porque eu sempre fui um bom pasto pra esse bicho. Mesmo antes de
conhecer o Adaílton.