Fazia frio, um frio daqueles que preenche as fantasias de natal de pessoas que moram em terras tropicais. Frio que passava pelas tramas de algodão e lã das minhas roupas mornas e congelava os ossos embaixo das minhas carnes. Eu sentia pena do peixe dourado no aquário diminuto sobre a mesinha do quarto, e decidi que encher o aquário com água morna da torneira era uma boa forma de aliviar esse sentimento obscuro.
Quando ergui o vidro contra meu corpo, o peixe boiou pateticamente seguindo a inércia dos meus movimentos. Um peixe que não tem forças sequer para contrapor as forças das águas ao seu redor é motivo suficientemente triste pra deixar muita gente refletindo sobre a injustiça do mundo... De qualquer forma, lancei um olhar sobre as escamas que não reluziam, que estavam agora amareladas, sujas e empobrecidas; traíndo o fulgor do dourado que antigamente brilhava refletindo o sol da janela.
Fui até a pia do banheiro e girei a torneira para o ponto morno. Testei a água com o dorso de minha mão e, satisfeita, posicionei o aquário sob a torneira. Imaginação minha ou não, vi o peixe abrir a boca extasiado, como quando mergulhamos muito fundo e no último minuto de ar e de fôlego rompemos novamente a superfície da água. Comecei a pensar em outras maneiras de manter meu companheiro vivo até o fim do inverno. Mais comida? Enrolar alguns cobertores em volta do aquário? Colocá-lo em cima do aquecedor? Guardar meu peixe dentro do forno - obviamente desligado?
Me distraí, e só no último segundo percebi que o peixe havia caido na pia e lutava com seus últimos instintos contra a pequena correnteza artificial que o puxava para o ralo. Cravei minhas unhas em seu rabo gelatinoso, o frio da porcelana ensopada enviando choques para o meu sistema nervoso, o peixe derretia sob meus dedos e no segundo seguinte, já não havia peixe nenhum. Ele se fora, ralo abaixo, junto com toda a água fria.
Voltei para o quarto, pus o aquário vazio sobre a mesa novamente e voltei a sentar na poltrona de leitura. Era sempre assim, em todo o lugar o inverno fazia suas vítimas, tragando a gente ralo abaixo, junto com todo o frio do mundo.
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