qualquer coisa grite meu nome:

domingo, 27 de setembro de 2009

Escarpada Abaixo.

Não dava pra acreditar que aquela voz rouca que ecoava por sobre o mar era a minha voz. Decerto havia acontecido algo entre sexta-feira e hoje, algo que eu não lembrava ou não havia notado, porque eu tinha certeza que eu nunca fora assim antes. Sentia-me fisicamente estranho, mesmo que aparentemente eu fosse o mesmo corpo franzino, pálido e macilento de sempre. Mas não havia nada, nada ali, exceto a porra do medo.
E por que diabos eu sentia aquela paranóia crescente dentro do meu peito? Parecia que a qualquer minuto meu coração ia romper com tudo ali dentro, me rasgando e finalmente me levando sabe deus pra onde. Eu tentava imaginar se a morte era mesmo tão ruim quanto mamãe dizia ser. Mas eu sabia que não era. Porque quando eu matei George, alguns dias atrás, simplesmente pareceu tão natural e inofensivo, como matar uma formiga açucareira. Céus, se a morte fosse mesmo toda aquela merda de brutalidade e não sei o quê, que a igreja de mamãe pregava, com certeza George ou a alma dele, ou o que quer que fosse, teria voltado pra me atormentar.
Mas tudo estava exatamente como era. Eu ainda passava minhas tardes sentindo o sol fustigar
minha face, no penhasco à beira-mar. Era um lugar legal, aquele cheiro todo de oceano me lembrava que sempre tinha algo maior, um lugar maior pra onde fugir. Mas espere aí, um alarme soou na minha cabeça. Eu de fato me sentia estranho não era mesmo? Sentia aquela merda de medo o tempo inteiro, e aquela sensação estranha de estar sendo observado. O que era uma enorme besteira, porque somente George sabia que eu gostava de subir ali. E lá estava eu pensando em George de novo, que bosta. Ele agora era um corpo, um cadáver, meu esqueleto no armário, e se eu quisesse recobrar um pouco de sanidade, eu tinha que esquecer que um dia amei aquele grande filho da puta. E então eu ouvi aquilo, logo atrás de mim.

- Oi Dick.

A voz era estranha, oca, tenebrosa. E ainda assim, estranhamente familiar, como os sinos da voz doce de George. Ele havia sido cantor de blues, sabe ? E eu tive que me virar, mesmo que eu soubesse, instintivamente, que tudo que mamãe dizia era verdade. Ele tinha mesmo voltado pra me pegar. Mas eu não me incomodei com isso, não mesmo. Nem quando eu senti aquela força descomunal me empurrado vertiginosamente, metros escarpada abaixo. Nem quando eu pressenti que logo, logo, seria uma enorme massa vermelha e salgada, comida de peixes. Pelo menos agora, eu pensava, não sentirei mais medo.

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