qualquer coisa grite meu nome:

sábado, 12 de setembro de 2009

O café que o tempo não esfria..

Donaldson Faithless Pickhunter, um funcionário público de Bristol, Avon, Inglaterra. Julgava morar sozinho há oito anos, após divorciar-se de Glaucia Megerah Greensburroughs. Mas, num surto de lucidez, horrorizado, descobre que a ex-esposa está em sua casa e que jamais saiu dela desde a separação.

Os dois discutem, se ofendem, brigam. Até que Donaldson, com uma capacidade de iniciativa invulgar para um niilista crônico, consegue convencê-la a ir embora para sempre de sua casa e de sua vida.

Donaldson, interiormente, chora por se sentir um idota desprezado. E conclui pra si mesmo que a vida não passa de um vale de lágrimas. Ele está sozinho na cozinha olhando para o relógio de parede. O tempo, pensa ele, é a única coisa que não podemos controlar.
Pela porta, ainda escancarada pela saída de Glaucia, entra, silenciosamente, Amanda Porsche, a veterinária de Vanessa, a gata siamesa de Donaldson. Ele ama Amanda. Mas Amanda sempre lhe disse que assim como ela esperaria por ele, ele devia esperar por ela, para que o tempo, no momento certo, os unisse. Donald respeitava isso por achar uma idéia muito bonitinha. Mas ficava puto da cara.

Com o olhar ao mesmo tempo compreensivo e severo, Amanda cumprimentou timidamente o consternado Donaldson. Numa seqüencia muda de atos mecânicos e tristes, ele prepara um café para ela. Os dois sentam à mesa. Donaldson não quer olhar para Amanda pois tem vergonha de demonstrar os olhos úmidos e o semblante sofrido. No fundo, ele se sente um otário. E ficam ali os dois, sem nada dizer, ouvindo apenas o tic-tac do relógio da cozinha.

Amanda Porsche quebra o silêncio e lhe diz com franqueza:

"Como tu é demorado, Donaldson... levou oito anos pra tirar a tua esposa de casa... e três anos pra arrumar a luz do banheiro... como conseguia viver assim ? Um abajur pendurado no teto, com o fio ligado na tomada... era bonito e exótico até... mas por demais preguiçoso, não acha ? Eu sei... eu sei que arrumar a fiação interna é um saco... mas enfim, você mesmo disse que o que molda o nosso destino não são os nossos atos: é a nossa preguiça... eu até usei esta frase no meu nick do msn."

"Tu, Amanda ? Dizendo que eu sou demorado ? Tu está há dois anos tomando café comigo... e esse café deve estar frio."
"Não, Donaldson... ele ainda está quente, eu te prometo."

Antônio Asdrubal (2009)

Nenhum comentário:

Postar um comentário